quarta-feira, 23 de maio de 2012

As flexibilizações e a emergência na democratização e ampliação do risco no atendimento a saúde

Artigo de Mario Antonio Ferrari*

Os cidadãos da classe média começam a sentir na pele os efeitos das terceirizações e da abertura indiscriminada de cursos de medicina de qualidade questionável.

As iniciativas na esfera da saúde, construídas no auge do neoliberalismo, com a desconstrução do estado social, apoiaram-se na flexibilização das relações de trabalho, no mercantilismo da formação médica com a proliferação de escolas de medicina privadas e no aumento da oferta de trabalhadores na saúde.

Além do lucro com a educação, o aumento da oferta da mão de obra serve para fomentar a redução de custos nos sistemas públicos e privados.

Na terceirização dos serviços públicos de saúde, quanto mais mão de obra e mais flexibilização em relação aos direitos trabalhistas, menores os custos para as Organizações Sociais (OS), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e outros.

Quanto maior o número de horas trabalhadas, menores os custos também para as Operadoras e Seguradoras de Planos de Saúde (OPS), nas lucrativas atividades no crescente mercado privado da saúde suplementar.

Mais médicos, mais fermento ter-se-á para os planos de saúde e mais fomento para lucro na prestação de serviços privados de saúde.

Quanto maior a oferta de mão de obra, em tese, menor será o custo! Mas e a qualidade e risco do atendimento, como ficam?

Mais facilidades e lucro para uns, menor segurança e menos atendimento de qualidade com mais risco para toda a sociedade.

Durante muito tempo, o custo e o risco decorrentes da ausência ou da dificuldade de acesso a serviços com qualidade foi “privilégio” dos mais pobres.

Os efeitos dessas políticas, com a desconsideração de que as ações de saúde são de Estado, têm modificado essa realidade, democratizando o risco de se receber atendimento com a qualidade prejudicada. Evidencia-se hoje extrapolação de seus efeitos para além do sistema público e os efeitos das flexibilizações já começam a alcançar filhos de magistrados, de médicos e de servidores do alto escalão do governo federal que, há muito tempo deixaram de frequentar as filas do SUS.

Já as greves nas emergências abrem possibilidades de que todos, indistintamente, sejam atingidos por seus efeitos deletérios.

Tem-se, portanto, a democratização do risco advindo do abandono e desconsideração quanto a orientações técnicas relativas a efetivas políticas públicas no âmbito do planejamento e da gestão do trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS).

E, se a gestão pública de Estado para a saúde é deixada ao léu, ao deus dará, o que dizer então da gestão privada, terceirizada e precarizada?

Nesse sentido, é paradigmática a reflexão a que nos remete o presidente da EMBRATUR, Flávio Dino, em matéria recentemente publicada. Ao comparar as circunstâncias da morte de seu filho Marcelo e as do jornalista Décio Sá explica: “tiveram mortes totalmente evitáveis, que não foram meras contingências da vida. Marcelo foi vítima de um hospital com péssima gestão e de profissionais negligentes; Décio foi vítima dos crimes de pistolagem, que matam tantos há tantos anos, alimentados pela corrupção, pela impunidade e pela cumplicidade de figuras poderosas.”

Esse mal da desatenção ao evitável, tem suas raízes fincadas num sistema privado de saúde e de educação movido pelo lucro a qualquer custo, que a cada dia cresce, sem apoio nos valores da ética, retirando valores humanos de relações tão relevantes.

E, não obstante os fatos, cismam os nossos políticos em trazer soluções equivocadas para a pretensa falta de médicos.

Se há intenção em melhorar a vida da população com o acesso a saúde, não se deve olvidar que o bom atendimento está intimamente ligado à qualidade.

Garantia de acesso a serviços públicos e privados com qualidade questionável, nada mais é do que ampliar as possibilidades de acesso a risco garantido. Coibir o risco certo e seus desdobramentos é perfeitamente evitável.

No entanto, se vê o contrário. As flexibilizações permanecem e se ampliam. As soluções propostas para corrigi-las são eivadas de equívocos e desprestígio ao conhecimento técnico. A solução serve para desconstrução do estado na esfera da saúde.

Exemplo disso é a recente iniciativa, via Medida Provisória que, de pronto, esvazia os quadros dos serviços públicos federais de médicos qualificados.

O “enxugamento” se dará de duas formas. A primeira, com o aumento dos pedidos de aposentadoria, e a segunda com a redução do estímulo decorrente da retirada de direitos. Foi a forma encontrada para premiar os que, abnegadamente, se predispuseram a permanecer nessas frentes a despeito do tratamento recebido no curso dos últimos anos.

Ao invés do tão esperado plano de carreira, cargos e vencimentos, o açoite da retirada de direitos, a inconstitucionalidade da redução indireta de vencimentos. Enfim, a intranquilidade para quem, podendo sair, preferiu permanecer atendendo o serviço público.

A medida, não só enfraquece os serviços públicos de saúde como também estimula o desvio de profissionais para os serviços privados.

Na banda da saúde suplementar, “trombetas imperiais” anunciam ameaçadoramente mais uma Medida Provisória. Agora, a resposta emergencial da MP vem para facilitar a validação dos diplomas de médicos formados no exterior. A face social da iniciativa aparentemente é resolver a falta de médicos em locais de difícil acesso.

Na face econômica da mesma moeda, não só a facilitação do reconhecimento de diplomados sem condições, mas também a descarga de mais mão de obra no mercado de saúde, neste caso, com qualidade questionável, objetivando também alimentar a máquina mercantil da saúde suplementar.

Flexibilizações como as das relações de trabalho, retirando direitos sociais e as facilitadoras para o reconhecimento de diplomas, só fazem ampliar o risco de se receber atendimento com a qualidade comprometida.

As iniciativas são motivo de preocupação não apenas dos médicos, mas de todos os cidadãos, desde os responsáveis pela edição até mesmo aqueles que terão oportunidade de transformá-las em lei, sem esquecer os membros do judiciário, encarregados de, eventualmente, integrá-las.

Sabe-se que epidemia não diagnosticada ou mal tratada no início, pode atingir democraticamente a todos. Essas medidas provisórias, não só propiciam que esse risco aumente como levam essa lógica para o campo dos cuidados com as doenças endêmicas.

Essas flexibilizações precipitadas, em última análise, aumentam os riscos de se receber atendimento de saúde com qualidade comprometida. Democratizam, enfim, o acesso mais a prejuízo irreversível que propriamente à saúde. Passam ao largo dos princípios prevencionistas!

A gestão pública não deve ser feita só com os diminutivos do coração e sim com os aumentativos dos neurônios. Prevenir o risco é o melhor remédio! A saúde pública e privada tem levado a sociedade a passar por agruras perfeitamente evitáveis.


* Mario Antonio Ferrari – diretor presidente do sindicato dos médicos no estado do Paraná (SIMEPAR), secretario de saúde da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – PR (CTBPR) e secretario geral da Federação Nacional dos Médicos (FENAM).

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