quinta-feira, 9 de julho de 2015

Justificativa de cesárea provoca receio de médicos

ANS concedeu prazo de seis meses para adaptação às novas normas, mas resolução de estímulo ao parto normal ainda desperta a desconfiança de obstetras 


Foto: Divulgação 

Embora tenham tido um prazo de 180 dias para ser adequar às novas normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de estímulo ao parto normal, operadoras de planos de saúde e médicos ainda analisam com ressalvas a Resolução Normativa nº 368, publicada em janeiro deste ano. Desde a segunda-feira, sempre que solicitados, os planos de saúde deverão divulgar os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico, o Cartão da Gestante, no qual será feito o registro do pré-natal e a Carta de Informação à Gestante. Além disto, será exigido o Partograma, documento onde é registrado tudo o que ocorre durante o trabalho de parto.
Em nota oficial, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) se manifestou favorável ao incentivo do parto normal, “desde que seja assegurada a saúde da mãe e do bebê”. Para a Febrasgo, a divulgação das taxas individuais de partos pode remeter a uma visão distorcida do perfil de cada médico. “Existem profissionais especializados em partos de alto risco que podem ter índices maiores de cesárea, mas isso não significa que esse médico não faz parto normal. É sua especialização que acaba levando a um parto cirúrgico”, afirma a nota.
Esforço
Desde 2004 a ANS trabalha para reduzir o que considera um número desnecessário de cesarianas na saúde suplementar. Dados do Ministério da Saúde revelam que, dos 2.905.789 partos feitos no Brasil no ano passado, mais da metade (55,6%) foram cesarianas.
A diferença entre hospitais públicos e privados chama atenção: dos partos feitos no SUS, 40% foram cesarianas; na rede particular, 84,6%. Em Goiânia, a Maternidade Dona Iris, mantida pela prefeitura, conseguiu inverter a lógica de três anos para cá, quando houve 5.429 partos normais contra 3.573 cesáreas.
Presidente da Unimed Cerrado, José Abel Ximenes pondera que os médicos não são contra partos normais, mas são necessárias adaptações nas estruturas hospitalares para se obter êxito no programa proposto pela ANS. “É preciso constituir equipes multiprofissionais para acompanhar a gestante, despersonalizar o processo. No início vamos ter dificuldades”. Para o médico, é importante desmistificar algumas coisas. “Hoje, com as técnicas de fertilização e gestações tardias, há mais partos de risco”, aponta.
A resolução da ANS nasceu após consulta realizada de outubro a novembro do ano passado.
Segundo o Ministério da Saúde, a cesárea sem indicação médica aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. De acordo com o órgão, cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados à prematuridade.
Para o presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego), Aldair Novato Silva, é necessário que se tenha um programa de esclarecimento da população. “As duas maneiras convivem com complicações, cada uma com sua particularidade e em obstetrícia não existe prognóstico do que vai acontecer”, afirma o ginecologista e obstetra.
“Se há necessidade de mudar o paradigma, que se mude a cultura e isso não ocorre por decreto, mas com informação”, Aldair Novato Silva, presidente do Cremego
Cesariana por indicação médica
Na ala de internação Rosa da Maternidade Dona Iris, em Goiânia, Maria Ednalva de Souza, de 41 anos, se recuperava da cirurgia cesariana que trouxe Isabella ao mundo na última sexta-feira. Maria Ednalva chegou ao hospital por volta do meio-dia já sentindo as primeiras contrações e tentou o parto normal durante quatro horas. “O banho morno aumentou bem a dilatação, mas mesmo assim não consegui que ela nascesse por parto normal”, disse Maria Ednalva, acreditando que as dificuldades dos últimos meses de gravidez – a falta de apetite e a insônia – a tenham deixado fraca demais para o procedimento natural, que requer força. A cesariana havia sido a primeira opção de Maria Ednalva, que já tem uma filha de 13 anos, Yasmim, que nasceu de parto normal. Devido à idade um pouco mais avançada, ela acreditava que a cirurgia poderia ser mais segura. Foi convencida pelo marido a tentar o parto normal, “mas na hora não deu certo”, lamentou.
A cesariana acabou sendo indicação médica. Diferentemente do parto da primeira filha, Maria Ednalva teve um pós-operatório complicado, o que a obrigou a permanecer no hospital por vários dias e até ontem ela ainda se ressentia do procedimento cirúrgico. “No primeiro parto, no outro dia fui embora”, conta. Diante da experiência dos dois tipos de partos, Maria Edvalda aconselha as gestantes a optarem pelo normal. “Agora, aconselho mais ainda.” Na opinião da mãe de Isabella, apesar da dor que ele impõe à gestante no momento do nascimento, é muito mais saudável. “Tanto que a gente levanta no mesmo dia.”
Experiência “muito ótima” no parto
Na mesma ala Rosa da maternidade Dona Iris, Gislaine Oliveira de Macedo, de 21 anos, também se recuperava ontem à tarde do parto de João Levy, nascido há poucas horas. Ela estava sonolenta porque havia passado a noite toda em trabalho de parto e o filho só nasceu às 10 horas, quatorze horas depois de ela dar entrada na maternidade.
Mãe de um filho de quatro anos que nasceu de cesariana, Gislaine queria repetir o procedimento cirúrgico, que considerava mais tranquilo. “Eu tinha muito medo de sentir dor e de ter algum problema com o bebê na hora do parto normal.” Mas ela foi convencida pelo médico a tentar o parto normal, uma vez que sua pressão arterial aumentou durante a gravidez.
Gislaine chegou ao hospital com muito medo, mas a mudança no procedimento valeu a pena, segundo ela. O trabalho de parto, apesar de demorado, foi bem menos dolorido do que ela imaginava. Durante toda a noite, ela foi assistida pela equipe do hospital, que aplicou diversos métodos não farmacológicos para atenuar a dor, como massagens, exercícios e banhos quentes.
Mas a principal vantagem do tipo normal está no pós-parto, afirma Gislaine. “Não compensa passar por uma cesariana. Meu filho nasceu e no momento seguinte eu já estava pronta para ir para casa.” Ela deu a luz ao filho em uma banqueta própria, que permite o parto vertical. No nascimento do primeiro filho, ela pegou o filho no colo seis horas depois do parto; ontem, assim que Joâo Levy nasceu ele já foi para os braços da mãe e chegou a mamar no peito ainda na sala de parto. “Quem cortou o cordão umbilical foi minha irmã”, relata. Para ela, a experiência foi simplesmente “muito ótima”.

Fonte: O Popular - 09/07/2015

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