Artigo de Roberto Luiz d’ Avila* reproduzido do Jornal Gazeta do Povo, edição de 09/11/2010
Sem financiamento adequado, o SUS se vulnerabiliza com recursos humanos precarizados e estrutura deficiente.
A categoria médica, que reúne 350 mil profissionais, tem uma pergunta a fazer aos gestores, tomadores de decisão e à sociedade em geral. Afinal, qual o futuro da saúde brasileira? Em 1988, o país viu nascer o SUS, esperança de atendimento universal, integral, gratuito, hierarquizado e descentralizado para todos os brasileiros. No entanto, o modelo não evoluiu com velocidade necessária. Essa estagnação coloca-o em risco. Para garantir novos avanços, faz-se urgente repensá-lo dentro de novas bases.
Os problemas se acumulam: o crescimento da população e seu envelhecimento, bem como a mudança do seu perfil epidemiológico, os avanços científicos e tecnológicos e das próprias relações sociais exibem fatura que aumenta a cada dia. Sem financiamento adequado, o SUS se vulnerabiliza com recursos humanos precarizados e estrutura deficiente, deixando a população à mercê de uma assistência pouco resolutiva.
Estarrecidos, acompanhamos a aparente inércia dos responsáveis pela assistência diante da falta de recursos para o SUS, do desaparelhamento da rede hospitalar, da desregulação que permeia a convivência de médicos, usuários e planos e operadoras de saúde, e da ausência de políticas adequadas para a área de recursos humanos. Neste momento, com a saúde à beira do abismo, fazemos mais um alerta à nação.
Parte da solução pode vir da regulamentação da Emenda Constitucional 29. Mas a demora em aprovar a regra tornou o Brasil a sede do sistema universal de acesso à saúde com menor financiamento público. Em 1995, de todo o dinheiro que se gastava com saúde no Brasil, 62% eram de origem pública (da União, dos estados e dos municípios) e 38% era privado. Já em 2009, a proporção do gasto público havia minguado para 47% e o setor privado já era responsável por 53%. O contraste é grande ao compararmos nossa situação com a de países europeus, que destinam, em média, 8% de sua riqueza nacional à saúde. No caso do Brasil, essa vinculação fica em torno de 4%.
Esse cenário traz consequências danosas e reconhecidas à assistência desejável à saúde do povo brasileiro. O caos se materializa nas emergências, sempre lotadas, que se tornam porta de entrada dos problemas de saúde que dependeriam de cuidados no campo da atenção básica, secundária ou da alta complexidade.
Na saúde suplementar, a ameaça nada sutil aparece de outras formas. A interferência de planos e operadoras do setor colocam o exercício ético da Medicina em concordata. Levantamento recente da Associação Paulista de Medicina (APM) mostra que mais de 90% dos médicos denunciam como descabida a pressão das empresas no atendimento aos pacientes. Por outro lado, há a defasagem das tabelas de procedimentos que tem gerado insatisfação entre os profissionais.
Permeando os problemas que se acumulam nas áreas pública e privada, está o descaso geral com relação aos médicos. Os profissionais penam com honorários defasados, precarização dos vínculos empregatícios e estrutura de trabalho inexistente. Enfim, o silêncio dos gestores diante desse quadro repercute na autoestima da categoria, em busca de sua valorização.
As questões elencadas não querem calar e nos inquieta saber que a falta de ações efetivas para respondê-las deixa a todos os brasileiros sem uma perspectiva real de futuro no campo da saúde. Afinal, o que esperamos em 10, 20, 30 anos: sofrer com orçamentos insuficientes e restritivos? Ver os vazios assistenciais no interior e as áreas de difícil provimento nas metrópoles ainda sem médicos e outros profissionais da saúde? Encarar a mercantilização da saúde conduzida pelas operadoras? Esperamos em outros outubros nossa ansiedade esteja aplacada e possamos, juntos, realmente comemorar o Dia do Médico e a vitória do interesse coletivo na gestão da saúde brasileira.
* Roberto Luiz d’ Avila é presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
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