terça-feira, 26 de junho de 2012

CPMI constata falta de estrutura para combater a violência contra a mulher

Matéria do Jornal Gazeta do Povo

Dos cerca de 2 mil casos de estupro ocorridos na capital em 2011, apenas 10 foram julgados. Comitiva analisou as condições de atendimento à mulher em situação de risco

O Paraná não cumpre a contento a Lei Maria da Penha, os casos de agressão doméstica estão ficando impunes e não há dados que subsidiem o poder público para que a situação seja revertida.

Esse é o diagnóstico preliminar feito por deputados e senadores que integram a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a Violência contra a Mulher que estiveram no domingo e ontem em Curitiba. Durante conversas com o vice-governador Flávio Arns e secretários do estado, visitas a delegacia e audiência pública na Assembleia Legislativa, a presidente da CPMI, deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), e a relatora, senadora Ana Rita (PT-ES), encontraram sérios problemas estruturais na rede que atende a mulher vítima de agressão.


Alta mortalidade

A comissão veio ao Pa­raná depois de passar por sete estados. No total, serão visitadas as dez unidades da federação onde mais se matam mulheres, além das quatro mais populosas. O Paraná figura em terceiro lugar no primeiro quesito – aqui morrem 6,3 mil mulheres para cada 100 mil habitantes (dados de 2011), índice acima da média nacional, de 4,4 mortes/100 mil. O município de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, é o segundo mais violento de todo o país, com 24 mortes/100 mil.

Na audiência, os parlamentares fizeram uma série de questionamentos a membros do Ministério Público (MP), da Secretaria de Segurança Pública (Sesp) e do Tribunal de Justiça (TJ), e saíram sem respostas. “Vocês terão uma semana para responder à CPI”, cobrou Ana Rita.

A relatora afirmou que, assim como nos outros estados já visitados, o Paraná não tem dados confiáveis sobre como está cumprindo a Lei Maria da Penha, o que deixa a CPI no escuro. Foram feitos pedidos ao TJ, Sesp, MP, às secretarias de Saúde (Sesa) e Justiça (Seju) e, após quase 30 dias, somente o TJ havia enviado os dados, todos incompletos. A Seju entregou os dados em cima da hora, horas antes da audiência. “Os estados ficaram desesperados quando fizemos os pedidos. Todos eles”, disse Ana Rita.

Entre as informações repassadas pelo TJ, um número surpreendeu a comissão: o de processos judiciais que efetivamente resultaram em condenção. Até o ano passado, estavam em aberto 7 mil processos envolvendo violência contra a mulher no Paraná, dos quais 4,2 mil (60%) envolviam violência doméstica. Desse total (ligados à Lei Maria da Penha), apenas 5,5% obtiveram sentenças condenatórias, o que foi motivo de questionamento da relatora à desembargadora Denise Kruger, que prometeu enviar até sexta-feira um posicionamento do órgão sobre o alto índice de impunidade.

Outro dado que gerou protesto da plateia e comentários dos deputados foi o número de suspeitos de estupro condenados no estado: de acordo com levantamento do movimento de mulheres, repassado à CPMI, ocorreram 2.222 casos de estupro em Curitiba em 2011, dos quais 10 tiveram o processo concluído. Desses, apenas dois resultaram em condenação dos réus. Em relação ao número, o TJ, representado pela desembargadora, disse não ter conhecimento, e prometeu enviar explicação à CPMI até esta semana.


Falhas: Delegacia especial não tem poder de atuação

O órgão de maior importância no combate à violência de gênero, na opinião da presidente da CPMI, Jô Moraes, é a Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (Deam). “Ela é a porta de entrada de todo o sistema, é onde ocorre o primeiro contato. Se ela não atende bem, a mulher não volta, perde a confiança na Justiça”, disse, durante visita à única Deam de Curitiba. No local, a CPMI constatou deficiências, que foram objeto de questionamento ao secretário estadual de Segurança Pública, Reinaldo de Almeida César, durante audiência na Assembleia ontem.

Atualmente, no Boletim de Ocorrência Unificado (BOU) adotado pelas polícias civil e militar, não há um campo que especifique que a mulher sofreu violência doméstica. Ou seja, quando ela comunica o crime e preenche um relatório, não há espaço para que informe que a agressão ocorreu dentro de casa, e não na rua, por um estranho. A longo prazo, é impossível para o Estado saber se as mulheres precisam preferencialmente de políticas públicas que coíbam estupro, latrocínio ou agressões pelo parceiro, que são mais complexas e exigem outro tipo de abordagem.

Outras questões apontadas pela delegada-titular da Deam de Curitiba, Maritza Haisi, dizem respeito à falta de recursos humanos, já que a Deam não conta com profissionais de psicologia para atender as agredidas (apenas uma estagiária). Nas contas da delegada, para o ritmo atual, com 1,1 mil inquéritos abertos até maio, ela precisaria de mais 14 escrivães (hoje há oito), outras três delegadas (são três) e 38 investigadores (há 11 fazendo trabalho de campo e 9 em tarefas administrativas).

Por fim, pela falta de pessoal, o intervalo entre a confecção do Boletim de Ocorrência e a tomada de depoimento pode durar até duas semanas. “Com todo esse tempo de espera, a mulher vai ser morta. É inadmissível”, afirmou o deputado federal Dr. Rosinha.

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