segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Fechamento de leitos no HC da UFPR dá razão aos que apontavam a falta de estrutura como o problema prioritário da medicina no Brasil

Editorial do Jornal Gazeta do Povo de 20 de outubro de 2013

A discussão mais acalorada sobre os rumos e os problemas da medicina no Brasil passou por um novo capítulo doloroso para os paranaenses: o Hospital de Clínicas da UFPR fechou, na semana passada, 94 leitos de internação – quase um quinto das 457 vagas do hospital, vinculado à Universidade Federal do Paraná (UFPR). Segundo a administração do hospital, faltam funcionários para manter todos os leitos ativos, depois que a Federal e o HC propuseram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ao Ministério Público do Trabalho e à Justiça, para acertar as escalas de trabalho dos profissionais e evitar jornadas acima do permitido.

O sucateamento do HC, o maior hospital público do Paraná, não é novidade, segundo médicos ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo. Faltam até medicamentos, lamenta Darley Wollmann, que trabalha na UTI cardíaca do hospital e é diretor-geral do Sindicato dos Médicos do Paraná (Simepar) e presidente da Regional Sul da Federação Nacional dos Médicos (Fenam). O déficit humano é alto: hoje, o HC tem 2,9 mil funcionários, mas, para que não fosse preciso fechar os 94 leitos, seriam necessárias pelo menos mais 400 pessoas, afirma o reitor da Federal, Zaki Akel – ou, em uma situação ideal, com mais 600 funcionários seria possível manter o hospital em sua capacidade máxima, que é de 550 leitos.

Um personagem central no drama do HC é a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), criada pelo governo federal e vinculada ao Ministério da Educação, com a finalidade de administrar os hospitais universitários federais, como o HC. Em agosto do ano passado, o Conselho Universitário da UFPR rejeitou a adesão do HC à Ebserh, alegando que entregar a administração do pessoal do hospital à empresa feriria a autonomia universitária. De fato, centralizar em Brasília todas as decisões referentes a contratações de servidores de hospitais universitários em todo o país é um contrassenso; são os administradores de cada instituição que conhecem melhor suas necessidades, e não burocratas no Planalto Central aos quais agora muitos diretores de hospitais precisam recorrer de pires na mão para conseguir mais funcionários.

Mas é exatamente essa cena que o governo federal deseja: segundo o MEC, futuras contratações de servidores para esses hospitais só poderiam ser feitas por meio da Ebserh. Em outras palavras, ou os hospitais aderem, ou precisarão se virar com o pessoal que têm atualmente. Como não existe outra alternativa – a contratação via Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar) está proibida desde 1996 –, as perspectivas para o HC estão longe de ser boas.

Isso nos traz de volta à discussão que ganhou força quando o governo federal resolveu importar médicos – inclusive cubanos cujos contratos são um acinte à legislação trabalhista brasileira – e dispensá-los das provas de revalidação de diploma, com o objetivo de mandá-los aos locais aonde os brasileiros não se dispuseram a ir. Muitos profissionais contra-argumentaram dizendo que o que faltava não era exatamente vontade de atender no interior, mas estrutura para um atendimento decente, e isso era o que mantinha os médicos nos grandes centros. A agonia do HC dá razão a eles, pelo menos no que diz respeito à estrutura de atendimento. Se o governo deixa um dos principais hospitais universitários do país chegar a essa situação, o que os estrangeiros não estarão encontrando nos rincões?

A solução do problema da saúde no país não reside em uma fórmula única. Se os brasileiros do interior precisam de médicos, que se encontre maneiras de enviar profissionais até lá, brasileiros ou estrangeiros – desde que garantida sua qualidade e sem pagamentos triangulados que financiam ditaduras. Mas o governo federal pretendeu fazer crer que o Mais Médicos seria a salvação nacional, quando agora vemos o resultado do descuido com a estrutura hospitalar. Não é fantasia pensar no médico estrangeiro que, diante de um caso particularmente complicado no interior do Paraná, precise enviar seu paciente ao HC só para encontrar, na capital, uma situação “desesperadora”, para usar palavras do diretor-geral do Simepar.

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