sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Novo sistema de dados do SUS põe em xeque gestão de hospitais


                          Foto: Internet 

RIO - O prontuário do paciente é eletrônico — mas, após o médico preenchê-lo no computador, tem que ser impresso, assinado e carimbado se quiser usar. No almoxarifado e na farmácia, remédios e insumos precisam ser registrados em dois sistemas — e, além do trabalho de se registrar duas vezes a mesma coisa, já houve caso de a entrada do material ser contabilizada em um sistema, a saída, em outro, e aí o controle sobre o estoque já se perdeu. Quando esse tipo de situação envolve remédios, às vezes calha de a medicação não ser dada ao paciente porque seu estoque aparece zerado num dos sistemas — pois ela está registrada no outro. Apesar de já ter custado pelo menos R$ 34,5 milhões, e de ter começado há 4 anos, em 2011, a implantação de um novo sistema de dados nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) — projeto federal hoje chamado E-SUS Hospitalar — ainda não conseguiu ser concluída nas primeiras unidades a receberem o projeto, os seis hospitais federais do Rio.
Atualmente, relatos de funcionários dão conta de que o sistema, um software de gestão para registro e controle de consultas, internações e materiais, por exemplo, funciona incompleto nesses hospitais, o que acaba afetando o tempo de atendimento aos pacientes, além de aumentar riscos de desvio de materiais. Na Bahia, onde o novo sistema também já foi implantado há cerca de dois anos no Hospital Roberto Santos, estadual, o prontuário eletrônico, assim como no Rio, não tem certificação digital; por isso, precisa ser impresso para poder valer.
— O atendimento ao paciente seria mais ágil se pudéssemos trabalhar com o prontuário sem papel — diz Luiz Américo, médico da UTI do hospital e vice-presidente do Sindicato dos Médicos da Bahia.
No Rio, o sistema anterior, chamado Hospub, funciona junto com o novo, da Totvs, multinacional com sede no Brasil. Mas eles não se comunicam.
— Isso acaba gerando trabalho dobrado para os funcionários. Há unidades em que setores de farmácia e almoxarifado, por exemplo, precisam registrar os materiais nos dois sistemas. Há especialidade em que a parte de ambulatório funciona no E-SUS, e a internação, no Hospub — afirma o médico Júlio Noronha, do Sindicato dos Médicos do Rio. — Em alguns casos, a entrada de um item no estoque é pelo Hospub, e a saída, pelo E-SUS, mas um não se comunica com o outro. Às vezes a enfermagem não acha um remédio ou insumo porque o dado não está no sistema em que estão procurando.
FALTA DE COMUNICAÇÃO COM MUNICÍPIOS
Além disso, o módulo para laboratórios do novo sistema ainda não funciona, diz Noronha, então os setores de laboratório dos hospitais usam o Hospub. Como os sistemas não se falam, dá-se que resultados de exames laboratoriais não podem ser enviados para o prontuário eletrônico, que é E-SUS.
— Em vez de aperfeiçoarem o Hospub, que era posto à disposição para os governos gratuitamente, e que tinha sido desenvolvido pelo Datasus , partiram para uma coisa nova que ainda nem estava pronta — critica Noronha. — A parte administrativa dos pacientes do ambulatório, suas informações de cadastro e contato, são pelo Hospub; o prontuário, o que é receitado no tratamento, é pelo E-SUS. Há funcionários que têm senha dos dois, outros, só de um. Às vezes não conseguem avisar o paciente sobre mudanças no atendimento, porque não conseguem acessar o sistema que tem o telefone dele.
Outros profissionais dos hospitais federais relatam que o E-SUS não se comunica com o SisReg, o sistema da central de regulação de vagas municipal do Rio. Então, quando um atendente nas unidades básicas de Saúde do município faz alguma alteração, via SisReg, no agendamento de pacientes nos hospitais federais, essa alteração não aparece para quem acessa o E-SUS nas unidades federais.
— Muitas vezes um paciente marcado simplesmente não aparece. Acabam ocorrendo situações como na nefrologia e em algumas clínicas da pediatria do Hospital de Bonsucesso, em que cerca de 20 % das vagas ficam ociosas. Será que não há pessoas querendo ser atendidas? — conclui Noronha.
Apesar de, no site do Ministério da Saúde, o E-SUS ser descrito como forma de integrar sistemas e, assim, “permitir um registro da situação de saúde individualizado por meio do Cartão Nacional de Saúde”, funcionários das unidades no Rio afirmam que o E-SUS não se comunica com o cadastro do Cartão SUS — projeto de gestão de informação na Saúde também incompleto, no qual o governo já gastou mais de R$ 200 milhões, e pelo qual pretende criar uma identificação única para os usuários do SUS, para que, onde quer que seja atendido no país, o usuário possa ter seu prontuário acessado.
— Os módulos do E-SUS ainda não estão todos em funcionamento. A implantação está incompleta até hoje — diz Aline Caixeta, procuradora que acompanha a instalação do E-SUS por um inquérito civil público instaurado em 2011, a partir de denúncia do Sindicato dos Médicos do Rio.
O Ministério Público Federal do Rio fez ao Tribunal de Contas da União representação sobre o caso, junto com o Tribunal de Contas de Rondônia — que se envolveu no assunto pois, na época, RO estudava implantar o Hospub. Baseado nisso, o TCU, em acórdão de agosto de 2013 da 1ª Câmara, questionou a substituição do Hospub. Segundo relatório citado pelo TCU, a atualização do Hospub, com migração para ambiente web e prontuário eletrônico, teria custo anual de R$ 2,5 milhões.
Além do custo, o TCU diz que, na aquisição do novo sistema, não haveria previsão de transferência de tecnologia: o fornecimento do sistema não permitiria que o governo “promova as modificações necessárias a ajustar os sistemas às reais necessidades dos usuários”. O TCU determinou auditoria para “investigar a viabilidade de modernização da atual versão do Hospub, os recursos necessários (...) e eventual vantagem econômica no uso desse sistema pelos hospitais públicos, em face dos custos de aquisição e manutenção dos programas comercializados pelo mercado privado”. Segundo a assessoria do TCU, a auditoria, porém, ainda não foi feita.
A REALIDADE DE 200 UNIDADES PÚBLICAS DO PAÍS
O sistema da Totvs foi adquirido por R$ 34,5 milhões numa negociação no fim de 2010 que foi considerada uma “triangulação”: seis entidades filantrópicas do estado de São Paulo e de Porto Alegre pagaram esse valor à empresa Gens (hoje parte da Totvs) pelo sistema, e o forneceram ao governo federal. Fizeram isso em troca de renúncia fiscal. Segundo o TCU, a motivação das entidades foi atender ao Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS), com base na lei 12.101/2009. “O art. 11 dessa lei estabelece a possibilidade de substituição de 60 % da atividade assistencial prestada pelas entidades filantrópicas de excelência ao SUS pela opção de integração ao Proadi-SUS, mediante apresentação de projetos de valor maior ou igual ao valor da isenção fiscal recebida”, afirma o TCU. No acórdão de 2013, o processo é chamado de “negócio jurídico triangular”.
Relator da decisão do TCE-RO sobre o tema, o conselheiro Paulo Curi Neto diz em seu voto: “Qual o interesse a motivar entidades de SP e RS a adquirirem um software a ser instalado no Rio? Por que tal aquisição não se deu pelo próprio ministério?”.
Enquanto a implantação do novo E-SUS Hospitalar não é concluída, o Hospub continua em mais de 200 hospitais públicos no país — sem melhorias ou atualizações de segurança desde 2011, segundo o próprio Ministério da Saúde, pois o objetivo hoje é a migração para o E-SUS. Estados e municípios que usam o Hospub e queiram realizar melhorias acabam tendo de fazer por conta própria. Caso de Rondônia, que atualmente termina a instalação do Hospub na rede estadual.
— Deixou de haver apoio institucionalizado às unidades com Hospub. O que acaba afetando regiões como a nossa, com carência de estrutura física e de pessoal em tecnologia — analisa Curi.
GOVERNO FALA EM 61 % IMPLANTADOS


Fonte:FENAM - 20/02/2015

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